O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei (PUIL), reconheceu o direito de uma clínica médica do interior de Minas Gerais de recolher o ISSQN com base fixa, e não sobre o faturamento bruto. A decisão reformou acórdão de Turma Recursal do Juizado Especial da Fazenda Pública de Minas Gerais, garantindo à sociedade médica o tratamento tributário diferenciado previsto no art. 9º, §§ 1º e 3º, do Decreto-Lei nº 406/1968.
O processo contou com a atuação do escritório Nicolielo Viotti & Viotti Advogados Associados (NVV).
O STJ firmou entendimento de que a sociedade uniprofissional, mesmo que organizada sob a forma de sociedade limitada, pode ser classificada como sociedade simples caso as atividades exercidas dependam diretamente da atuação pessoal dos sócios. Nessas condições, a tributação deve observar o regime fixo do ISS, baseado no número de profissionais habilitados, e não no faturamento.
A Corte destacou a diferença essencial entre as sociedades empresárias e as simples: nas primeiras, cuja organização da atividade econômica para a produção ou a circulação de bens ou de serviços (art. 966 do Código Civil) é capaz de tornar despicienda a atuação pessoal de seus sócios na prestação do serviço – visto que os fatores organizacionais da empresa se sobrepõem ao trabalho intelectual e pessoal de seus sócios; já nas sociedades simples (arts. 983, caput, e 997 e seguintes) o labor dos sócios é fator primordial para o desenvolvimento da atividade, sem o qual não há como se cogitar qualquer prestação de serviço, ou mesmo o desenvolvimento do objeto social da pessoa jurídica, ou talvez, ainda, a sua existência.
A defesa da sociedade médica sustentou no processo que a sociedade em questão é uma sociedade simples (art. 997 Código Civil), a despeito de estar organizada sobre a forma limitada, tema preconizado nos Enunciados n. 57, 193 e 194 da Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, in verbis:
Enunciado n. 57: Art. 983: a opção pelo tipo empresarial não afasta a natureza simples da sociedade.
Enunciado n. 194: Art. 966. Os profissionais liberais não são considerados empresários, salvo se a organização dos fatores da produção for mais importante que a atividade pessoal desenvolvida.
Enunciado n. 193: Art. 966. O exercício das atividades de natureza exclusivamente intelectual está excluído do conceito de empresa.
Os serviços que presta a referida sociedade requerente no processo são privativos dos médicos, a teor do que preconizam os arts. 4º e 5º da Lei 12.842/2013 e a Resolução n. 813/1977 do Conselho Federal de Medicina, não se podendo conceber, nesse cenário, que outras pessoas sem a necessária capacitação e habilitação técnica possam executar as atividades desempenhadas pelos sócios do requerente, o que evidencia que as funções exercidas pelos funcionários dos próprios nosocômios são de apoio à atividade finalística da sociedade uniprofissional.
Assim é na prestação de serviço médico, cujo caráter pessoal da atividade dos profissionais liberais, ainda que reunidos em sociedade e com o concurso de auxiliares ou colaboradores, é o justificador para o benefício fiscal prevista no art. 9º, § § 1º e 3º, do Decreto-Lei n. 406/1968.
A distribuição dos lucros é mero desdobramento do conceito de sociedade, seja a de natureza empresarial ou de natureza simples, visto que ambas auferem lucro, tanto é assim que a norma geral sobre distribuição de lucros consta de capítulo do Código Civil relativo à sociedade simples (artigos 1.007 e 1.008 do Código Civil).
Precedente Vinculante e Segurança Jurídica
Ao julgar o caso em tela, a Corte Superior de Justiça relembrou que a sua Primeira Seção, nos autos do EAREsp n. 31.084/MS, relator para acórdão Ministro Mauro Campbell Marques, DJe de 8/4/2021, já havia consolidado o entendimento de que é irrelevante para a concessão do regime tributário diferenciado a espécie empresarial adotada pela pessoa jurídica, podendo haver sociedades limitadas que não são empresárias, conforme preveem expressamente os artigos 982 e 983 do Código Civil.
Desta forma, segundo o voto do Ministro Relator do Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei (PIUL) nº 3.068/MG, DJe em 11/03/2024, que foi acolhido à unanimidade pelos demais Ministros que compõem a I Seção do Superior Tribunal de Justiça “na prestação de serviço médico, cujo caráter pessoal da atividade dos profissionais liberais, ainda que reunidos em sociedade e com o concurso de auxiliares ou colaboradores, é o justificador para o beneplácito fiscal previsto no art. 9º, § § 1º e 3º, do Decreto-Lei n. 406/1968.”
E a decisão ainda completa: “a diferença central entre a sociedade empresarial e a sociedade simples não está na distribuição de lucros, mas sim no modelo da atividade econômica: na primeira a atividade é realizada por meio da empresa como um todo e na segunda a atividade econômica acontece por meio dos sócios, ainda que com o concurso de auxiliares ou colaboradores (parágrafo único do artigo 966 do Código Civil)”.
Impacto amplo para Profissionais Liberais
Esse pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça apazigua de vez, no âmbito nacional, a controvérsia sobre a tributação das sociedades de médicos e de outros profissionais liberais, como enfermeiros, veterinários, contadores, advogados, engenheiros, arquitetos, agrônomos, dentistas, economistas e psicólogos; que não raro se associam com outros profissionais da mesma atividade para prestação de serviços como pessoas jurídicas e são tributados pelos municípios sobre o faturamento.
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